terça-feira, 30 de setembro de 2008

Obsessão anti-Brasil Jarbas Passarinho, - Ex-governador, ex-ministro, ex-senador -

O sonho de Bolívar era unir todo o território sul-americano
sob um mesmo governo. Saudades de Pizarro!
Estamos substituindo, nestas latitudes, a obsessão anti-EUA pela obsessão anti-Brasil.
Há um adágio local que diz: “Da ameaça ao fato, há um grande caminho”. Caiu em desuso.
- O presidente da Venezuela, Hugo Chávez, está transformando seu país no provedor de polpudos auxílios financeiros, de caráter político, a hispano-americanos deste subcontinente, cisandino e pós-andino. Ao receber, assumem compromisso que os expõem a certo grau de dependência. Na área andina, os fartos petrodólares produzidos pela alta do petróleo ajudaram a vencer as eleições presidenciais na Bolívia e no Equador; no Peru, o candidato de Chávez foi derrotado; na Colômbia, o presidente Álvaro Uribe está vencendo as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), enfant gaté do vizinho; da Argentina, fez-se aliado do ex-colega Nestor Kirchner, adquirindo-lhe títulos desvalorizados por efeito do calote de 75% da dívida externa.

No momento em que redijo este artigo, leio a confissão do empresário venezuelano Guido Antonini ao FBI (Federal Bureau of Investigation), que o investigava. Teve, em plena campanha presidencial argentina, apresada certa maleta pesada, em Buenos Aires. Flagrado pela aduana, disse que a maleta levava livros. Aberta, os livros transformaram-se em US$ 790 mil destinados a ajudar a propaganda eleitoral da hoje presidenta Cristina Kirchner, mulher de Nestor. Portador de nacionalidade dupla, venezuelana e norte-americana, o prestimoso emissário Antonini, que mora em Miami (EUA) faz mais de 15 anos, pressionado pelo FBI, confirmou que os dólares eram parte da contribuição da empresa venezuelana estatal de petróleo PDVSA. Adiantou que a ajuda não se limitava ao que continha a maleta. Outras remessas, mais bem-sucedidas, teriam atingido US$ 6 milhões. A admiração que tenho pela Argentina me fez inicialmente desacreditar da notícia. Igualmente, me recusei a admitir verdadeira aversão da suposta contribuição de Fidel Castro, de US$ 4 milhões, para a campanha de nosso preclaro presidente. Claro que a eficiente e isenta Polícia Federal teria prontamente averiguado, posto que até hoje não haja esclarecido o famoso dossiê flagrado em São Paulo, nas últimas eleições para governador. A confissão de Antonini, porém, é tão comprometedora que está residindo em lugar secreto, protegido pelo FBI, pois criou inimigos poderosos, que vão da Patagônia a Maracaibo.
A revolução bolivariana está em curso. O sonho de Bolívar era unir todo o território sul-americano sob um mesmo governo, embora, na Carta da Jamaica, reconhecesse a impossibilidade prática de realizá-lo. A pedra no caminho era o Brasil. “Por desgraça, o Brasil limita com todos nossos estados. Tem, por isso, facilidades muitas para fazer-nos a guerra, com sucesso, como o quer a Santa Aliança”, escreveu Bolívar na carta de Lima, de 1825. Mal informado, desconfiava que, monarquia após a independência, o Brasil seria um instrumento da Santa Aliança para restaurar o domínio da Espanha, perdido na guerra de descolonização. O boliviarismo de Chávez não deve chegar ao sonhado por Bolívar, mas já comanda, como fanal a indicar o rumo do “socialismo do século 21”, a Bolívia e o Equador. Evo Morales divide a Bolívia, e Chávez trombeteia: “Se quiserem depor meu amigo, minhas tropas impedirão”. Fala como senhor, passando carão: “O ministro da Defesa boliviano não cumpre as ordens de seu presidente”. Se Evo expulsa o embaixador dos EUA, logo o imita, usando a linguagem escatológica, que lhe é própria: “Fuera, yankees de mierda”. Compra dispendioso e moderno material bélico na Rússia e na China, prevenindo-se contra a sempre anunciada invasão da Venezuela pelas tropas do império do Norte, a quem vende milhões de barris de petróleo por dia. Com isso, falseia sua intenção de tornar suas Forças Armadas as mais bem equipadas do subcontinente. Associa-se a Putin e responde aos EUA, que restauraram a Esquadra Naval do Caribe. Fará, na região, manobras com a Marinha russa, com suas mais poderosas belonaves.

Nossa política internacional de “ajudar o irmão mais pobre” da Bolívia virou “ajudar o irmão menor” do Equador. Já sofremos, resignados, o desafio armado de Evo Morales, que vê com maus olhos o Brasil, desde que aprendeu termos “comprado o Acre por um cavalo”. Para mostrar o grau de adestramento de seu Exército, atacou e conquistou duas refinarias da Petrobras e, nos seus mastros, hasteou a Bandeira boliviana. Seu exemplo fez doutrina. Citou-lhe a receita nacionalista o bispo licenciado Fernando Lugo, em campanha bem-sucedida para eleger-se presidente do Paraguai: “Se o Evo enfrentou o Brasil, por que não nós, em Itaipu?” O presidente do Equador, Rafael Correa, rompeu com a construtora brasileira Odebrecht e ocupou militarmente as obras e dependências administrativas da empresa, obrigando os funcionários a continuar o trabalho, mas com sentinelas armadas, à vista. Não parou aí. Suspendeu os “direitos constitucionais” dos executivos brasileiros, enquanto outros se refugiaram na embaixada brasileira em Quito. Declarou ilícito o empréstimo de US$ 200 milhões tomados no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Poderá dizer que é normal a sanção a uma empresa privada, coincidentemente brasileira, por execução da cara obra defeituosa. Nesse caso, por que hostilizar a Petrobras, que lá descobriu petróleo, a ponto que se vê obrigada a deixar o Equador. A provocação é clara. Lula disse ter certeza de que receberia imediata chamada telefônica de Correa a respeito. Não precisa. Nosso chanceler já disse que o Equador só tomou medidas preventivas! Saudades de Pizarro! Estamos substituindo, nestas latitudes, a obsessão anti-EUA pela obsessão anti-Brasil. Há um adágio local que diz: “Da ameaça ao fato, há um grande caminho”. Caiu em desuso.
*Jarbas Passarinho, Ex-governador, ex-ministro, ex-senador. Jornal Estado de Minas 30 setembro 2008.

Nenhum comentário: