quarta-feira, 4 de outubro de 2023

Pontos Virgulas e Assentos



*PORTUGUÊS NÃO é PARA AMADOR.*

*"Entre DOIDOS e DOÍDOS, prefiro não acentuar".*
*Às vezes, não acentuar parece mesmo a solução.*
*Eu, por exemplo, prefiro a CARNE ao CARNÊ.*
*Assim como, obviamente, prefiro o COCO ao COCÔ.*
*No entanto, nem sempre a ausência do acento é favorável...*
*Pense no CÁGADO, por exemplo, o ser vivo mais afetado quando alguém pensa que o acento é mera decoração.*
*E há outros casos, claro!*
*Eu não me MEDICO, eu vou ao MÉDICO.*
*Quem BABA não é a BABÁ.*
*Quem BEBE não é BEBÊ.*
*Você precisa ir à SECRETARIA para falar com a SECRETÁRIA.*
*Será que a ROMÃ é de ROMA?*
*Seus PAIS vêm do mesmo PAÍS?*
*A diferença na palavra é um ACENTO; ASSENTO não tem ACENTO.*
*ASSENTO é embaixo, ACENTO é em cima.*
*EMBAIXO é junto e EM CIMA separado.*
*Seria MAIO o mês mais apropriado para colocar um MAIÔ?*
*Quem sabe mais entre a SÁBIA e o SABIÁ? Essa eu não SABIA.*
*O que tem a PELE do PELÉ?*
*O que há em comum entre o CAMELO e o CAMELÔ?*
*O que será que a FÁBRICA FABRICA?*
*E tudo que se MUSICA vira MÚSICA?*
*Será melhor lidar com as adversidades da conjunção ”MAS” ou com as MÁS pessoas?*
*Falando em MAS, quem escreve MAIS ou MAS achando que tanto faz, erra demais.*
*MAS, se prestar a devida atenção, um dia não errará MAIS.*
*E  poderá, enfim, escrever MAS ou MAIS na santa paz.*
*Aqueles que não ENTENDERAM, um dia ENTENDERÃO.*
*Será que tudo que eu VALIDO se torna VÁLIDO?*
*E entre o AMEM e o AMÉM, que tal os dois?*
*Na SEXTA comprei uma CESTA logo após a SESTA.*
*É a primeira VEZ que tu não o VÊS.*
*Vão TACHAR de ladrão se TAXAR muito alto a TAXA da TACHA.*
*ASSO um CERVO na panela de AÇO que será servido pelo SERVO.*
*POR TANTO nevoeiro, PORTANTO, a CERRAÇÃO impediu a SERRAÇÃO.*
*Para começar o CONCERTO tiveram que fazer um CONSERTO.*
*Ao EMPOSSAR, permitiu-se à esposa EMPOÇAR o palanque de lágrimas.*
*Uma mulher VIVIDA é sempre mais VÍVIDA, PROFETIZA a PROFETISA.*
*CALÇA, você BOTA; BOTA, você CALÇA.*
*OXÍTONA é PROPAROXÍTONA.*
*Na dúvida, com um pouquinho de contexto, garanto que o PÚBLICO entenda aquilo que PUBLICO.*

*E paro por aqui, pois esta lista já está longa.*

*Realmente, Português não é para amador!*
*Se você foi capaz de ENTENDER TUDO, parabéns! Seu Português está muito bom!*

ESCUTATORIA

 ESCUTATÓRIA

(Rubem Alves)

Sempre vejo anunciados cursos de oratória. Nunca vi anunciado curso de escutatória.
Todo mundo quer aprender a falar, ninguém quer aprender a ouvir.
Pensei em oferecer um curso de escutatória, mas acho que ninguém vai se matricular.

Escutar é complicado e sutil.
Diz Alberto Caeiro que "não é bastante não ser cego para ver as árvores e as flores. É preciso também não ter filosofia nenhuma".

Filosofia é um monte de idéias, dentro da cabeça, sobre como são as coisas. Para se ver, é preciso que a cabeça esteja vazia.

Parafraseio o Alberto Caeiro:
"Não é bastante ter ouvidos para ouvir o que é dito; é preciso também que haja silêncio dentro da alma".

Daí a dificuldade: a gente não agüenta ouvir o que o outro diz sem logo dar um palpite melhor, sem misturar o que ele diz com aquilo que a gente tem a dizer. Como se aquilo que ele diz não fosse digno de descansada consideração e precisasse ser complementado por aquilo que a gente tem a dizer, que é muito melhor.

Nossa incapacidade de ouvir é a manifestação mais constante e sutil de nossa arrogância e vaidade: no fundo, somos os mais bonitos...

Tenho um velho amigo, Jovelino, que se mudou para os Estados Unidos estimulado pela revolução de 64.
Contou-me de sua experiência com os índios: reunidos os participantes, ninguém fala. Há um longo, longo silêncio.
(Os pianistas, antes de iniciar o concerto, diante do piano, ficam assentados em silêncio, [...]. Abrindo vazios de silêncio. Expulsando todas as idéias estranhas.).

Todos em silêncio, à espera do pensamento essencial. Aí, de repente, alguém fala. Curto. Todos ouvem. Terminada a fala, novo silêncio.

Falar logo em seguida seria um grande desrespeito, pois o outro falou os seus pensamentos, pensamentos que ele julgava essenciais.
São-me estranhos. É preciso tempo para entender o que o outro falou.

Se eu falar logo a seguir, são duas as possibilidades.
Primeira: "Fiquei em silêncio só por delicadeza. Na verdade, não ouvi o que você falou. Enquanto você falava, eu pensava nas coisas que iria falar quando você terminasse sua (tola) fala. Falo como se você não tivesse falado".

Segunda: "Ouvi o que você falou. Mas isso que você falou como novidade eu já pensei há muito tempo. É coisa velha para mim. Tanto que nem preciso pensar sobre o que você falou".

Em ambos os casos, estou chamando o outro de tolo. O que é pior que uma bofetada.

O longo silêncio quer dizer: "Estou ponderando cuidadosamente tudo aquilo que você falou". E assim vai a reunião.
Não basta o silêncio de fora. É preciso silêncio dentro. Ausência de pensamentos.
E aí, quando se faz o silêncio dentro, a gente começa a ouvir coisas que não ouvia.

Eu comecei a ouvir.

Fernando Pessoa conhecia a experiência, e se referia a algo que se ouve nos interstícios das palavras, no lugar onde não há palavras.

A música acontece no silêncio. A alma é uma catedral submersa. No fundo do mar - quem faz mergulho sabe - a boca fica fechada. Somos todos olhos e ouvidos. Aí, livres dos ruídos do falatório e dos saberes da filosofia, ouvimos a melodia que não havia, que de tão linda nos faz chorar.

Para mim, Deus é isto: a beleza que se ouve no silêncio. Daí a importância de saber ouvir os outros: a beleza mora lá também.

Comunhão é quando a beleza do outro e a beleza da gente se juntam num contraponto.